HELOÍSA: O CONHECIMENTO POR
TRÁS DAS EPÍSTOLAS
Heloísa [c.1100-1164]
de Pedro Abelardo [1079-1142]. É assim que ela vem ao longo de décadas sendo
identificada pela historiografia. No entanto, quando jovem, Heloísa já era
reconhecida por sua beleza e reverenciada por sua inteligência em toda a
França. Abelardo por sua vez era um
filósofo, mestre da retórica e da dialética que irá se aproximar de Heloísa sem
ter “[...]o amor por desculpa: foi friamente, de propósito deliberado, por
passatempo, que Abelardo enganou a confiança de Fulbert” [Michelet, 2014] para
se achegar à Heloísa.
Argenteuil
Fundado no século
VII, o monastério de Santa Maria D’Argenteuil sofreu com as invasões normandas
entre os séculos IX e X. No século XI, foi restaurado por interferência de
Adelaide de Aquitânia [c. 945-1004], a então esposa de Hugo Capeto [c.940-996],
e se tornou um monastério feminino. Foi neste monastério que Heloísa teve seus
primeiros ensinamentos. Ela sai de Argenteuil por volta dos 16 anos e vai viver
com seu tio Fulbert, já reconhecida por sua inteligência Heloísa falava latim
de maneira fluente e fora treinada nos clássicos com conhecimento de letras e
retórica, além do hebraico e do grego.
Antes de conhecer
Abelardo, Heloísa pensava somente nos estudos, sem se preocupar com os prazeres
oferecidos pelo mundo a ponto de “ultrapassar quase todos os homens” [Duby,
2013, p. 53]. Ainda segundo Georges Duby, ao tomar o hábito ela “colocou-se, em
completa submissão, a serviço de Cristo, tornando-se assim uma ‘mulher
filosófica’.” Tais conhecimentos foram reconhecidos por Abelardo e ditos como
dela, ao sugerir que as monjas, reclusas no Monastério do Paraclito fizessem
uso de seu conhecimento nas três línguas bíblicas:
“[...] vocês têm um líder e professor em
sua mãe [Heloísa], que pode responder a qualquer necessidade, tanto como um
exemplo de virtude como professor de letras. Pois ela não é apenas aprendida na
literatura latina, bem como em hebraico e grego, mas, aparentemente sozinha
nesta era, ela goza de um comando das três línguas [...]”. [Pedro
Abelardo, Epístola, 1133-1137]
Foram estes atributos
que fizeram com que Abelardo induzisse Fulbert a contratá-lo como mestre de
Heloísa. Como tal, era esperado que ele aprimorasse sua leitura, assim como seu
modo de se expressar e recitar as escrituras. Mas os dois acabam por se
apaixonar e viver um romance que durou aproximadamente dois anos. Uma vez
descoberto o relacionamento, Heloísa foge grávida para Bretanha onde deu à luz
a Astrolábio. Após o nascimento, voltou a Paris para se casar com Abelardo em
segredo, à época, um filósofo não poderia se dedicar ao mesmo tempo à filosofia
e a mulher. Casados ele a envia para viver novamente em Argenteuil.
Afastado de Heloísa,
Abelardo se instalou na abadia de Saint-Denys, onde recebeu o hábito monástico.
Heloísa permaneceu em Argenteuil, fez seus votos e por eleição, tornou-se
priora. Em 1129 ela e as monjas são expulsas do convento e acolhidas no
monastério do Paracleto, com o assentimento do Papa Inocêncio II († c.1143).
Foi no monastério que Heloísa teve contato com a Historia Calamitatum – redigida por Abelardo. Na tentativa de
alentar seu esposo e irmão em Cristo, Heloísa redige a Consolation. A carta de consolo é a primeira das duas mais
analisadas ao longo de décadas como lamento de amor. Sem desacreditar do
sentimento por trás das palavras, mas levando em consideração: o conhecimento
adquirido, as condições necessárias para que ela ocupasse a posição de abadessa
e sua capacidade de corresponder com autoridades sobre assuntos do claustro –
ao mesmo tempo em que corresponde com Abelardo – é que analiso suas epístolas.
Paris
É em Paris nos
arredores da Ilha-de-Cité e do cloître
de Notre Dame, próximo à catedral, onde as “escolas
de mestres” – de dialética soberana – se desenvolveram com mais
efervescência que encontramos Heloísa. É neste ponto de convergência que os
cônegos construíam suas moradias, estimulando o desenvolvimento das escolas sob
o controle de estabelecimentos religiosos como: mosteiros, a própria catedral
ou colegiado, enfim, todos dependentes dos moldes instituídos pela Igreja.
Nesse espaço reconhecido por Jacques Le Goff como sendo “o espaço da palavra”:
[...] a importância
dos domínios do capítulo de Notre-Dame de Paris na região parisiense – espaço
onde se difundem, a princípio e sobretudo, os modelos atuais elaborados pela
cidade, a arquitetura da igreja paroquial, a voz dos pregadores dos conventos
mendicantes urbanos que estabeleceram seu próprio território muitas vezes ainda
mais vasto que o da cidade e que eles chamaram de praedicatio, espaço da palavra [...] [Le Goff, 1992, p. 62].
Nesse contexto o
mestre urbano era considerado um homem culto, erudito e religioso. O gramático
que ensinava a ler, falar e recitar as escrituras também era responsável pela
disciplina de seus discípulos. Em sua maioria, professores e alunos eram
clérigos, “[...] um termo ambíguo que designa tanto o homem religioso como o
erudito” [Friaça, 1999, p. 26]. Os professores vão surgir nas Escolas
Catedrais, onde se formará o centro da vida intelectual com um mestre eloquente
que também faz uso da filosofia e da teologia, e através da Igreja se tornará o
detentor da cultura formal e saber intelectual do século. Saber que é também um
produto do acúmulo cultural, da memória e da lembrança do que se viveu nas
relações construídas. Na memória de mestre e discípulo, segundo nos propõe C.
Stephen Jaeger, “[...] de maior proveito que a palavra escrita ser-te-iam a voz
viva e a vida em comum de pupilo e mestre (convictus)
[...] pois longo é o caminho dos preceitos, e breve e eficaz o dos exemplos.”
[Jaeger, 2019, p. 98].
Com saber apurado,
Abelardo era um representante de condição elevada entre os intelectuais do
século. Com habilidade refutou o próprio mestre Guillaume de Champeaux
[1070-1121]. E essa sua capacidade foi o que lhe proporcionou o sucesso como
mestre e o fez se sobressair entre os demais. Nesse período no qual o mestre se
destacava com sua audácia e coragem, a imitação do professor – provavelmente a
mais antiga forma de pedagogia, se difunde nas cidades. C. Stephen Jaeger nos
indica essa possibilidade como uma das funções do mestre para o século, segundo
ele “[...] o pupilo como que à sombra do mestre que, ao educa-lo, fez dele o
que ele é, ou, por outra, fê-lo à sua imagem e semelhança” [Jaeger, 2019, p.
58-59]. O que, como provocação nos faz questionar: ele teria passado a Heloísa
essa capacidade de provocar? Heloísa pela proximidade pode ter se tornado a
imagem e semelhança de seu mestre, Abelardo?
Os métodos então
usados para ensinar eram basicamente pautados por duas condições: ler e extrair
sentido da leitura. A medida em que os textos eram lidos, aconteciam pausas
para comentar a leitura e entender o sentido do que foi lido. Tendo feito isso,
o próximo passo era extrair o que estava oculto por trás do que se acabara de
ser lido, fechando assim o ciclo da compreensão. Esse modelo de educação das
artes liberais tinha como base o trivium e
o quadrivium, que podia atrair
sentidos diferentes para a leitura das Escrituras. O trivium se dedicava à fala, à leitura e à escrita em função da
forma de interpretar e se expressar [gramática, dialética e retórica] através
das escrituras. Por sua vez, o quadrivium
se preocupava com a aritmética, a geometria, a música e a astronomia, todos
orientados pelo ensino da filosofia.
Nesse período, o
desenvolvimento das escolas deu-se concomitantemente com o surgimento e
crescimento econômico das cidades, proporcionando assim o aperfeiçoamento de
Heloísa nas artes liberais. Pela gramática, o professor melhorava o
conhecimento de seu pupilo na fala, leitura e escrita e ainda na explicação de
autores clássicos. Com a retórica, ele aprendia as formas de discursar,
expressando-se com explicações através de palavras e gestos e a matemática dará
medidas para esse conhecimento, o ensinamento nada mais é que um “instrumento
para a compreensão da palavra de Deus”. Heloísa mostrou-se como detentora desse
conhecimento clássico, “[...] e a extensão da sua cultura tornava-a uma mulher
excepcional” [Historia Calamitatum,
McLaughlin; Wheeler, 2009,
p. 23]. Poucas mulheres naquela época possuíam tanto conhecimento em
retórica quanto Heloísa. E foi da retórica que surgiu o topos narrativo do qual ela fez tanto uso, sobretudo político, que
acreditamos nos permitirá enxergar uma Heloísa mais pragmática, capaz de
negociar com diferentes pessoas a partir de suas memórias pessoais, algo que
também nos permite enxergar essa personagem para além da jovem rebelde e
apaixonada cristalizada pela historiografia.
Todas essas
transformações fomentaram as discussões sobre as escrituras e autores deste e
de outros séculos como: Aristóteles, Donato, Prisciano e Cícero e poetas como
Virgílio e Ovídio. As formas do saber não se compreendem nesse período, sem
passar pelo aprendizado da leitura e pela maneira de expressar o entendimento
da mesma. Com o objetivo de “direcionar o olhar para o Além, [já que] é para esta direção que os medievais se voltavam
quando refletiam, escreviam e falavam. Na raiz desse modelo está o desejo de
diminuir a violência e alcançar e embutir no conhecimento atitudes como a
sobriedade e humildade e paradoxalmente, a procura pelo amor fraterno através
da educação passava pela punição corporal dos estudantes, sobretudo os jovens e
indisciplinados.” [Lanzieri Júnior, 2009]. E esse foi o modelo de educação
imposto a Heloísa – ainda que contestado por ela.
Nesse ambiente de
crescimento, é que irão surgir as possibilidades de florescimento material,
intelectual e espiritual do indivíduo já que “[...] as condições de vida
criadas pelas cidades, a aproximação de tantos homens de origem diversa
oferecia possibilidades inauditas de enriquecimento não somente material, mas
intelectual e espiritual” [Verger, 1990, p. 26-27]. De toda transformação
possível, a que nos interessa dentro da análise em questão são as
transformações psicológicas que ocorrem a partir desse novo universo de
relações de poder. As trocas de informações as quais Heloísa acessou durante
sua estada em Paris, com Abelardo e como as utilizou em outros contextos.
Missivas para Abelardo
Antes mesmo de
conhecer Abelardo, Heloísa já era reconhecida em toda França por sua beleza,
mas não só por isso, como nos possibilita compreender a fala de Pedro, o Venerável [1092-1156]: “Eu mal acabava
de transpor os limites da adolescência, e não era nem mesmo jovem, quando tomei
conhecimento da reputação, não ainda da tua vida religiosa, mais de teus nobres
e louváveis estudos. Ouvia-se falar então desta extraordinária raridade: uma
mulher ainda envolvida nos laços do século e que se entregava, entretanto,
completamente ao estudo das Letras e da Sabedoria sem que nada, nem os desejos
do mundo, nem suas vaidades, nem seus prazeres, pudesse desviá-la do louvável
desígnio de aprender as Artes Liberais” [Gilson, 2007, p. 148].
O conhecimento a que
se referiu Pedro, o Venerável, é proveniente de sua juventude. Heloísa fez uso
de seu conhecimento para imprimir verdade em suas missivas e questionar ou até
mesmo opor-se às ideias de Abelardo. Artifício retórico para dar substância à
sua fala e assim tornar seu discurso resistente e convincente. Para tanto, ela
fez uso de fragmentos dos textos de Sêneca, um importante escritor e filósofo
da época do Império Romano; Sócrates, um dos principais pensadores da Grécia
antiga; Jerônimo, um dos nomes da patrística; o poeta Ovídio, o papa São
Gregório, São Bento fundador da ordem dos Beneditinos; João Crisóstomo, teólogo
e fundador da Escola de Antioquia; Santo Agostinho, teólogo e bispo e Macróbio
Teodócio, escritor, filósofo e filólogo romano. Ela ainda se mostrou
conhecedora da literatura proibida quando citou Aspásia de Mileto (ca. 470 a.C
– ca. 400 a. C), Oradora, literata y
dissoluta, através de uma fala Ésquilo (ca. 525 a. C? – 460 a. C), poeta e
militar grego, considerado o pai da tragédia grega. Esses dados recolhidos das
duas epístolas enviadas a Abelardo corroboram para demonstrar seu conhecimento,
o que nos leva de volta à afirmação de que ela fora educada nos moldes
refinados da aristocracia secular. Sua mãe Hersend estava ligada ao vidama de
Chartres – vidama era um título dado
ao cavaleiro que ficava responsável por cuidar dos interesses de uma abadia ou
um bispado. Representante do seu senhor, o vidama também era responsável por
organizar o exército e recolher os direitos feudais de seu senhor – é também
descendente por parte de pai dos Montmorency e dos condes de Beaumont, o que
nos permite situa-la na alta aristocracia da Ilê-de-France.
Nos dois anos que
passa ao lado de Abelardo, em Paris, Heloísa gravitou em uma das regiões mais
urbanizadas da cristandade. Ela é o que chamo de “campo de observação
privilegiado” para analisar o processo acumulador de conhecimento de um período
às voltas com suas transformações. O que está em análise não é tão somente a
Heloisa esposa, mas uma jovem de conhecimento, uma adulta apaixonada por seu
sábio mestre e uma abadessa – senhora de sua existência.
Heloísa enquanto
abadessa do Paraclito se corresponde com Inocêncio II [1131 e 1136] em datas
que se aproximam de quando ela teve contato com a História Calamitatum e redigiu sua primeira epístola para Abelardo,
a Consolation. Esse contato me
apresentou uma Heloísa muito diferente daquela desvendada pela historiografia.
Enquanto abadessa, além de Inocêncio ela se corresponde com: Alexandre III
[1163], Eugênio III [1147], Lucius II [1142], Anastasius IV [1153] e Hadrian IV
[1154 – 1159], e ela também recebe duas correspondências de Hugh Metel, um
cânone agostiniano. Ora, constatei então, que Heloísa é impulsiva e
intempestiva justamente quando pertence a uma rede de interdependência maior e
mais poderosa do que a de sua vida em Paris.
À luz dessa
descoberta, minha hipótese é a seguinte: ainda que involuntariamente, Heloísa
recorreu aquele uso das emoções conforme certas regras da retórica – que
“combinada com o estilo da lógica e da dialética [capacita] o discípulo a
influenciar os ouvintes e, dado o caso, também ‘tornar mais forte a causa mais
fraca” [Curtius, 2013, p. 119], com a qual ela teve afinidade desde o princípio
de sua educação. Através de suas missivas, Heloísa tentou manipular as
estruturas. E, se, como diz Curtius, no antigo sistema da retórica, tópica é o
celeiro de provisões, Heloísa em suas cartas fez uso desse celeiro ainda que
não tivesse conhecimento disso. Portanto, tento compreender com isso se os
componentes de emoção – ressaltados ao longo de décadas pela historiografia –
não seriam os recursos estratégicos fornecidos pela tópica retórica.
São incansáveis os
trabalhos para compreensão da personalidade e comportamento da aristocracia no
século XII, mas nenhum deles parte do pressuposto de que seria possível a
reestruturação, em um indivíduo inserido socialmente e aparentemente dentro dos
padrões esperados. E o objeto de estudo de que trato, uma abadessa de grande
importância – já que devemos a ela a criação das regras para os mosteiros
femininos – tem seu reconhecimento historiográfico limitado a condição de
esposa de Abelardo. Ele a “mais alta expressão do meio parisiense” não podia se
ligar a ninguém menos importante que ele. Heloísa então, se encaixa
perfeitamente nesse modelo e surge no auge de sua carreira, ela é para Abelardo
como Le Goff define: “uma conquista a acrescentar as conquistas da inteligência
[...] é a gloria!”, que também segundo ele vai ser “interrompida bruscamente em
1118 pela aventura com Heloísa” [Le Goff, 2006, p. 59-74]. O sofrimento colocou
Heloísa fora dos padrões, distante das regras, e é através de um relato “trágico”
e do “fracasso” que foi o seu casamento que ela entrou para história, mas uma
história que precisa ser buscada para além deste momento específico de sua
vida. Ainda que as epístolas sejam bastante exploradas, o que proponho
compreender é o acumulo
de conhecimento do indivíduo que está por trás delas e como estes foram usados
em outros contextos, diante de outras situações.
A tópica retórica,
assim como a gramática, fez parte da educação no século XII. Foi ela que deu o
tom na escrita dos mestres, religiosos e alunos desse período: “A educação
retórica, combinada com o estilo da lógica e da dialética devia capacitar o
discípulo a influenciar os ouvintes e, dado o caso, também “tornar mais forte a causa mais fraca". A tópica retórica consiste em dar o tom no discurso, de
modo que o mesmo possa influenciar o ouvinte - no nosso caso Abelardo - de
maneira que o mesmo se incline e reconheça a veracidade dos fatos apresentados.
É a arte da argumentação. Na introdução e na conclusão já devem ser inseridas a
fórmulas para expressar a modéstia, ou o que Curtius chamou de falsa modéstia:
“na introdução o orador deve conquistar a benevolência, a atenção e a
docilidade de seus ouvintes. Além disso, o orador deve usar o Discurso de
Consolação e o apelo da caridade. Argumentos os quais recheiam as missivas de
Heloísa:
“Meu bem-amado, o
acaso fez-me passar entre as mãos, a carta de consolo que escreveste a um
amigo. Reconheci imediatamente, pela assinatura, que ela provinha de ti.
Lancei-me sobre ela e devorei-a com todo ardor de minha ternura: já que havia
perdido a presença corporal daquele que a havia escrito, ao menos as palavras
reanimariam um pouco para mim a sua imagem”. [Zumthor, 2002, p. 89].
No fragmento citado,
Heloísa chama de “acaso” a influência
que levou a carta as suas mãos, imprimindo modéstia nas suas redes, assim como
imprime também benevolência, consolo e caridade ao manifestar “ternura” por ele. São sinais de que ela faz uso do que aprendeu até mesmo
com o preceptor Abelardo. O que demostra
a estrutura da personalidade de Heloísa por trás das cartas. Todo esse escrever
romântico de Heloísa, deriva da poesia e da retórica, que ela tinha acesso e
chegou a elogiar em Abelardo, sendo assim, para ela a tópica retórica é quase
que uma extensão de si, é uma expressão involuntária do seu conhecimento
literário. Resultado de uma trajetória de vida dedicada a aprimorar seus
conhecimentos sem deixar de amar. Assim, reforço a ambição de reconstruir a
trajetória dessa aristocrata, aluna, amiga, amante, esposa, mãe, freira
forçada, prioresa por eleição, abadessa por vocação e fundadora de uma ordem
religiosa e dar a ela uma nova posição na historiografia.
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Olá Luciana,
ResponderExcluirMuito interessante suas indagações no texto. Nele, você levanta a questão: "Heloísa pela proximidade pode ter se tornado a imagem e semelhança de seu mestre, Abelardo?" Pergunto se não é possível dizer que ela se tornou algo singular, pensando numa questão de gênero. Essas mesmas possibilidades de relações estariam disponíveis a Abelardo e a outros nobres. Mas nem todas (na verdade, sabemos de bem poucas) mulheres se colocaram nessa rede de maneira ativa. Isso nos autoriza a pensar em Heloísa a partir de um prisma muito específico, sem poder compara-la com Abelardo?
Olá Renato, tudo bem?
ExcluirSão muitas indagações e parece que para todo lado que me viro surge uma nova, como dizem por aí, ossos do ofício. Esse meu questionamento é em função da incorporação do mores nas artes liberais em meados do século XI, nas escolas francesas e alemãs, esse modelo alcança o século XII e se estende por ele. A essência da instrução nos costumes é a imitação do professor, este o currículo e a fonte onde se beber, essa pedagogia está alicerçada no carisma pessoal que, é bastante notório existiu entre Héloïse e Pedro Abelardo. Ensinar pelo exemplo. Igualar-se ao professor e ou superá-lo era uma meta a se alcançar.
Sobre ser singular pensando numa questão de gênero, penso que a tratar como única seria imprudente, tendo em vista que, se nas próximas décadas conseguirmos testemunhos fortes o suficiente para provar ser Hersende de Montsoreau sua mãe, está a precedeu nas mesmas funções e qualidades. O que tento fazer é analisar as epístolas afim de imprimir um novo valor histórico, sem questionar os sentimentos. Héloïse foi priora de Argenteuil, isso ela deve ao seu nascimento, e tornou-se abadessa do Paráclito por eleição e com o consentimento do Papa. Um lugar de poder que para homens ou mulheres carecia de conhecimento e estratégia para alcançar e manter, o individuo por trás das epístolas tem qualidades inquestionáveis é preciso atentar para o manejo das técnicas de retórica e para gama de exemplos com os quais se reforça as queixas e questionamentos.
Compara-la a Pedro Abelardo penso que será inevitável para o bem ou para o mal. Ela, ainda que eu corra o risco de parecer apaixonada, construiu sobre os escombros que foi sua relação com ele uma carreira política e deu vida e voz ao Paráclito, enquanto ele definhava. Sem desmerecer o filósofo nem sua história.
Mais do que perguntas você me traz sugestões muito possíveis. Héloïse no século XII atraiu para si o olhar de pares importantes da aristocracia, estes teceram elogios e atenderam a pedidos seu, e agora no nosso século ensaia-se o reconhecimento dessa mulher pensadora, escritora e amante.
Att,
Olá Luciana, tudo bem? Parabéns pelo texto.
ResponderExcluirVocê considerou as dimensões da retórica e do gênero epístola? Creio que ambas podem contribuir bastante no trabalho a posteriori, sobretudo para pensar em questões de forma e de conteúdo mediante parâmetros analíticos e sistemáticos.
Cordialmente,
Renan Birro
Olá Renan, tudo bem e obrigada!
ExcluirHéloïse é um objeto de análise desde a graduação, de lá para cá foram muitas mudanças positivas e uma delas é essa, considerar as dimensões da retórica e do gênero epístola. Minha hipótese é que Héloïse recorreu ao uso das emoções conforme certas regras de retórica, é com a tópica retórica que ela dá tom ao seu discurso afim de influenciar Pedro Abelardo.
Ela faz uso da argumentação “para conquistar benevolência, atenção e docilidade” do seu ouvinte manipulando a introdução e a conclusão para expressar modéstia ou “falsa modéstia”, como nos propõe Ernest Curtius. Discurso de consolo, apelo da caridade e manifestação de ternura. Uma estratégia de narrativa usada no século XII, que ela aprimorou na convivência com Pedro Abelardo. Héloïse é o topos narrativo da abadessa. Resultado da educação que lhe proporcionou contato com Ovídio, Sêneca e Lucano. Retórica e lógica combinadas dão a Héloïse atributos para duelar na escrita com Pedro Abelardo.
Assim acredito que ela estaria fazendo uso da guenus demonstrativium, que empreende um discurso laudatório de saudação, consolação e felicidade, com uma linguagem individual afim de convencer o ouvinte da causa mais fraca. A tópica retórica é quase que uma extensão de Héloïse, é uma expressão involuntária do seu conhecimento literário.
O lugar de saber que ela ocupa não se restringe a uma erudição latina, Héloïse domina um certo número de “disciplinas intelectuais” e cultura erudita o que nos faz crer que ela consegue articular sua escrita afim de atingir um objetivo. Entendo que sem essa análise retórica e de gênero epistolar eu cairia na mesmice, é preciso analisar para além das palavras de amor e seus significados e é isso que tento fazer.
Att,
Legal! Recomendo a leitura do clássico "Rhetoric in the Middle Ages" de J.J. Murphy. Pode ser de grande ajuda!
ExcluirBoa noite!
ExcluirVou incluir nas minhas leituras, obrigada!
Att,
Olá Luciana,
ResponderExcluirVolto ao seu texto por conta de uma curiosidade. Você menciona que Heloísa seria "impulsiva e intempestiva" e de "componentes de emoção – ressaltados ao longo de décadas pela historiografia (...)" Minha pergunta é: como identificar essas características emocionais na documentação que você pesquisa? Ou, como definir o que poderia indicar uma postura impulsiva, intempestiva como comportamentos ligados à personalidade de Heloísa?