LITERATURA ESCANDINAVA NO
ENSINO DE HISTÓRIA MEDIEVAL
Sagas Islandesas como fontes literárias
Uma questão que
deve ser abordada neste texto logo a
priori, sendo um debate de diversos historiadores e acadêmicos na área de
literatura, é a problematização do uso das sagas como fonte histórica,
justamente por estar fortemente ligada a uma narrativa que foi passada
oralmente pela sociedade escandinava medieval, além do seu caráter muitas vezes
fantasioso, tendo cristãos como compiladores e autores.
André Araújo de
Oliveira mencionando Jane Smiley, afirma que mesmo as sagas islandesas
possuindo uma quantidade grande de autores anônimos, elas continuam sendo consideradas
enormes riquezas literárias da humanidade. Walter Ong explicita que o heróico e
maravilhoso serve para organizar o conhecimento em um mundo oral - por isso
estão tão presentes nas sagas – e argumenta que nessas sociedades, como a
islandesa pré-cristã, o conhecimento precisava ser repetido inúmeras vezes ou
se perderia. [Ong, 1998, p. 33-84]. Conclui-se que as sagas “são exemplificadas
por meio de uma ausência da necessidade de um discurso original, partindo da
ideia de um discurso formado socialmente como uma válvula de escape para a
situação histórica a qual viviam” [Oliveira, 2015, p. 29].
Vale ressaltar
que representações e inovações de objetos que a Nova História Cultural vem
trazendo desde a década de 1950 [Burke, 1997] nos permite fazer uma abordagem
diferenciada sobre as fontes e sagas medievais da Islândia. As sagas já são
fontes para os estudiosos há muito tempo, elas são capazes de demonstrar com
uma personalidade de narrativa única a história de uma sociedade com um sistema
social e religioso bem complexos, sendo os heróis e fantasias claramente meios
de tentar esconder ou sobrepassar pontos de vistas - nas sagas apresentadas –
das crenças pré-cristãs por padres e bispos que sabiam o quão a religiosidade
estava inerente a cultura dos povos nórdicos.
Provar que as
sagas e contos islandeses seguem à risca os fatos da história medieval em
questão não é a perspectiva, afinal, esse não é o papel do historiador, mas sim
apontar o poder que essas narrativas têm de apresentarem a visão de uma cultura
a respeito do mundo, um posicionamento sobre tempo e espaço de uma realidade.
[Fernandes, 2016, p.24]. Utilizar das sagas para entendermos a sociedade
escandinava medieval implica em utilizar da interdisciplinaridade de estudos
históricos com literatura. Tiago Quintana, acadêmico de literatura, tem o foco
no estudo das sagas e contos islandeses para obter uma perspectiva
histórico-literária das características socioculturais presentes nessas
narrativas. Em um de seus textos encontramos uma provocação a respeito do uso
das sagas e contos como fontes primárias para entendermos a cultura da
sociedade em questão, onde afirma que nem sempre devemos tomar a literatura
como base única e sólida para se estudar História, porém, no caso islandês,
devemos considerar que a literatura tem suas próprias necessidades, pois
independe da veracidade factual da narrativa. Podemos sim afirmar que textos
literários têm sido usados para encobrir a História ou tentar modificá-la, mas
a “evolução” do estudo da História influencia diretamente na percepção do
estudo da literatura, afinal, a mesma, mesmo que possuindo distorções
perceptíveis, continua sendo reflexo da sociedade que a produz. [Quintana,
2010, p.50]
O uso destas
sagas como fonte primária ganha adeptos pelo impacto que elas certamente
causavam no povo e marcou na história da cultura. Desta maneira, também vale a
afirmação de que uma obra que beira a ficção – contos nórdicos – pode ser usada
como prática discursiva para se apoiar ou confrontar hegemonias de ideologias existentes,
e esta observação deve sempre caminhar com os limites dos estudos históricos e
literários. [Quintana, 2013, p.178]
Utilização das sagas na construção do imaginário
medieval cristão-escandinavo
Através das sagas
islandesas podemos concernir como os escandinavos – neste momento bispos
cristãos escrevendo “a história” - liam suas realidades, por meio da
compreensão do imaginário. A arte, e por sua vez a literatura, garantem um
visão sem limites e pura da realidade, o objetivo de grande parte dessas
escrituras em forma de sagas e contos não possuem o objetivo de nos mostrar
minuciosamente o que estavam vivendo, e mesmo as que possuíam essa função
acabam demonstrando o desígnio apontado nesse texto.
Historiadores
professores interessados na utilização de fontes literárias em seus textos e
aulas de história medieval devem construir as orientações de leituras para as
interpretações do imaginário ali presente. A partir de análises das sagas,
observamos os bispos autores e compiladores influenciando no imaginário dos que
ainda não tinham aceitado a fé cristã, de maneira que naturalizavam a nova
crença na história dos escandinavos ao sobrepujar o deus cristão e seus
milagres, os feitos dos bispos aos deuses do panteão nórdico e os feitos de
seus heróis.
“O rei disse: Por
que você veio aqui até nós? Gest respondeu: Isso veio à minha mente. Eu vim
aqui esperando que alguma coisa boa acontecesse a mim, já que você foi muito
elogiado por homens bons e sábios. O rei disse: Você fará o santo batismo
agora? Gest respondeu: Eu farei o que você aconselhar. Isso foi feito, e o rei
o levou ao seu afeto e o tornou um dos seus retentores. Gest era leal ao rei e
seguia bem os costumes dele. O velho homem era amado por todos.” [Thordson;
Thorhalson, 1921]. A imagem acima mostra a representação da morte de Nornagest por Gunnar Vidar.
Historiadores e artistas no século XIX leram as sagas e se inspiraram para
realizarem suas obras. Norn é um
personagem fictício presente no conto islandês intitulado Norna-Gests Tháttr datado do ano de 1300 ou início do século XIV.
Este conto e muitos outros estão em um códice compilado conhecido como Flateyjarbók com a autoria dos bispos Jon Thordson e Magnus Thorhlson. Norn,
um velho homem, um certo dia chegou no castelo do rei Olaf Tryggvason em Trandheim
(apesar da história possuir acontecimentos fictícios, Olaf I foi realmente o
rei da Noruega entre os anos 995 – 1000 e é responsável de levar o cristianismo
ao país e para a Islândia), onde foi recebido e acolhido, ele contou suas
histórias e vivências com grandes heróis e guerreiros vikings como Ragnar Lodbrok e Sigurd Sigmundarson, mas que também era amaldiçoado. Sua maldição
era viver eternamente, e já possuía mais de 200 anos de idade. O rei comovido
oferece a quebra da maldição e o descanso eterno que Norn sonhava em ter, mas para isso o homem centenário precisaria
aceitar ser batizado. Ao aceitar, o homem que vivera bastante coisa ao lado de
grandes figuras escandinavas, falece e pode desfrutar do sono eterno oferecido
pelo deus cristão.
O conto de Norna,
brevemente apresentado, contém um caráter forte para a compreensão do conceito
de imaginário medieval que procuramos evidenciar nesse texto. Devemos
compreender aqui que o velho homem da história é uma representação da antiga
cultura nórdica, que era conhecida e vivida pelos ancestrais noruegueses e
islandeses, além de tudo, a história fantástica por trás de Norna era o sobrenatural admirado pelos
povos do norte. Portanto, a colocação de inferioridade na figura do homem
esboçada pelos padres, junto a um nítido ar de “desmotivação” do mesmo em
continuar a viver mesmo passando por coisas invejáveis para qualquer
escandinavo, muda a concepção do imaginário dos leitores perante a antiga
crença.
Estariam mesmo os
deuses Odin, Freya, Frigga e Thor não “satisfazendo” mais os desejos
de seus adoradores? Essa noção em si já faz parte de um pensamento cristão.
Algo que faz parte desse debate a respeito do imaginário das fontes literárias
escandinavas no conto de Norna-Gests
e provavelmente em todas as sagas compiladas por padres e bispos islandeses é a
forma como estes colocaram o cristianismo como “remédio” para todo o “mal”
presentes na fé nórdica, pois é necessário que se convertam a sua religião para
a dominação dos outros e é necessária a dominação para melhor controlar um povo
e evitar conflitos. A nova fé é utilizada como princípio moral e as escrituras
das sagas e contos como ferramentas. Esse era um pensamento dos cristãos do
medievo, tanto dos novos convertidos quanto dos que depois vieram.
O rei norueguês
Olaf Tryggvason (995 – 1000) aparece
em diversos contos e sagas e é famoso por ser o primeiro a criar caravanas de
missionários para levar o cristianismo para a Islândia e Noruega, o que torna
sua generosidade parcial na ajuda a Gest,
além disso, o imaginário cristão da história da Islândia medieval é construído
a partir do momento que o rei cristão possui o poder de desfazer a maldição
através do batismo. O feitiço do velho homem é inserido no conto como maldição,
ou seja, uma concepção cristã da imortalidade de Norna. Provavelmente, a imortalidade e a chance de viver e lutar ao
lado de heróis e reis lendários não seria encarado como uma maldição por
vikings dos séculos VIII, IX e X.
Vimos, portanto,
que contos e sagas podem possuir um discurso ideológico que apoie a hegemonia
religiosa cristã pelo fato delas terem sido escritas por representantes
cristãos, que observavam as crenças pagãs como mitos [Barreiro, 2016, p.98].
Dessa maneira, em uma breve análise e observação crítica do conto de Norna-Gests, que introduz o rei Olaf
Tryggvason ao imaginário islandês do século XIV como símbolo da cristianização
nórdica, observamos que clérigos com a missão de escrever a memória da
Escandinávia apropriavam-se de histórias dos ancestrais para escrever ficções a
fim de uma construção e transformação do imaginário da sociedade [Quintana,
2013, p.194–195]. Marc Bloch afirma que milagres presentes nas sagas atribuídos
a reis cristãos - como curas realizadas por Olavo, O Santo, no final do século X - são representações explícitas
dessas tentativas de alteração do imaginário escandinavo através de produções
literárias. [Bloch, 1999, p. 72].
“A historiografia
islandesa dos séculos XII e XIII não estava preocupada com a dicotomia entre a
história secular e sagrada. A história retratada nas sagas islandesas
desenvolveu-se inteiramente na terra e é feita por homens ativos perseguindo
seus próprios interesses e objetivos humanos.” [Gurevich, 1992, p. 115]. As
sagas como narrativas de histórias e cultura do povo nórdico, por influência de
quem as conta em períodos posteriores, transformam-se em instrumento de
consolidação da religião cristã, fixando no imaginário escandinavo uma
alteração de elementos acontecidos durante o contato com os pagãos, ao mesmo
tempo que apresenta outros elementos, alterando histórias contadas pelos
ancestrais a fim de implementar um sentimento de pertencimento do cristianismo
em sua própria História [Fernandes; Oliveira, 2016, p. 78 – 79]. Nessa
perspectiva, a leitura das sagas foi aceita e suas produções estimuladas,
implicando, ao mesmo tempo, no fortalecimento de uma cultura escrita na
Escandinávia.
Fontes literárias e o Ensino de História
medieval.
A pesquisa
brasileira sobre os povos escandinavos e os vikings vêm ganhando cada vez mais
estudiosos, dessa maneira, materiais em diversos temas estão sendo produzidos
na língua portuguesa. É evidente que, a cultura nórdica está em ascensão em
quase todos os nichos da mídia, como livros, jogos eletrônicos, animes, filmes
e séries, além da academia. Portanto, o diálogo aqui proposto entre a
compreensão do imaginário medieval e as sagas islandesas para o ensino de
história deve levar em consideração essas obras contemporâneas. O professor,
por exemplo, pode comparar e debater o imaginário da cosmologia e mitologia
presentes na obra do historiador, poeta e político Snorri Sturluson “The Prose
Edda” do século XIII com o livro “The
Lord of The Rings” (que inspirou a trilogia de filmes “O Senhor dos
Anéis”) do escritor J. R. R. Tolkien da primeira metade do século XX ou com o “Mitologia Nórdica” do escritor Neil Gaiman de 2017, até mesmo discutir
a representação de Odin no livro "Deuses
americanos" de 2001 também de Gaiman. Todos textos que permitem o
estudo das perspectivas do imaginário escandinavo e sua influência atualmente.
Estes textos,
como alguns outros, possuem tradução para o português, facilitando a
utilização, porém, a grande maioria dos contos e sagas que enriqueceriam o
debate a respeito do medievo e o imaginário se encontram traduzidos apenas do
nórdico antigo para o inglês (como O
Conto de Norna-Gests), cabendo ao professor, com os diversos meios e sites
de traduções, pegar trechos avaliados como importantes para as aulas e traduzir
para o português.
Conhecemos as
dificuldades de trabalhar fontes do medievo, pois além de serem escassas, boa
parte não está nem em inglês, mas vale ressaltar que a tecnologia hoje está a
nosso favor. Podemos obter livros, códices e documentos que estão do outro lado
do mundo com apenas alguns cliques e minutos de pesquisa. Logo, o problema de
tradução para a língua portuguesa é facilmente superado pelo valor de
conhecimento que esses escritos nos proporcionam. Por isso a importância da
valorização dos pesquisadores brasileiros nessas áreas, os estudiosos
escandinavos estão enriquecendo os objetos sobre as sagas, o que provavelmente
irá resultar em traduções desses registros, e um ótimo exemplo disso é o
projeto de tradução para o português da Brennu-Njáls
Saga, do século XIII de Théo Moosburger, que se tornou sua tese de
doutorado concluída no ano de 2014.
Por fim, este
breve texto tem como objetivo salientar a importância dos escritos literários
na construção do conhecimento medieval e no ensino de história. Como dito
anteriormente, há um tempo vem ocorrendo a ampliação de objetos de estudos para
pesquisas, problematizações, conteúdos e fontes históricas, especialmente
quando tratamos de temas medievais e de história antiga.
A relevância do
cruzamento da multidisciplinaridade entre Literatura e Ensino de História nos
leva a subjetivação positiva de seres críticos, conscientes e inseridos no
objeto que estão pesquisando, pois, a literatura produzida em todo espaço/
tempo permite uma melhor leitura da realidade e do imaginário de inúmeros povos
e sociedades durante a História, assim, nos permitindo a capacidade de
interpretar contextos e situações diversas[Correia, 2012, p. 181]. O Ensino de
História, tanto em graus superiores quanto no ensino fundamental, responde
questões interpretativas sociais, políticas e culturais contemporâneas,
modernas, medievais e antigas, através dos discursos presentes em diversos
textos literários e suas linguagens. [Rachadel; Felisberto; Venera, 2010].
Quando estudamos
história medieval – principalmente de civilizações consideradas derrotadas,
como o caso dos escandinavos perante o cristianismo – não podemos levar em
consideração somente aspectos políticos de um determinado objeto, pois devemos
compreender que somente “o lado vencedor” detém o poder de retratar, com sua
visão imparcial, estas perspectivas na História, mas, é necessário levarmos em
conta outras implicações, como econômicas, sociais e culturais. Tendo em vista
que as sagas e contos aqui explicitados relatando acontecimentos da História
dos escandinavos foram compilados e descritos por bispos, é importante o
professor historiador utilizar de sua capacitação para problematizar os
acontecimentos narrados nesses escritos, identificando interesses e perspectivas
particulares dos autores. Os textos literários como fontes dos historiadores
permitem o alcance do imaginário, entender nas entrelinhas dos “fatos
verdadeiros” as concepções do tema estudado. “A força literária modela o
imaginário” [Fernandes, 2016, p. 9]. Portanto, nós, alunos e professores, somos
instigados ao prazer de investigar, interpretar e compreender estes registros
medievais como se estivéssemos vivendo o presente em séculos atrás.
Referências
Lucas Pinto
Soares é Graduado em História Bacharel e Licenciatura pela Universidade do
Estado do Rio de Janeiro, e mestrando em História Política e Cultural no
Programa de Pós-Graduação – UERJ.
BARREIRO,
Santiago. Pagãos fictícios, feiticeiros imaginários, alteridades literárias: As
sagas islandesas como fonte historiográfica e sua representação do mundo
pré-cristão. Diálogos v. 20 n. 3, 2016, p. 97-115
BLOCH, Marc. Os
reis taumaturgos. São Paulo: Companhia das Letras, 1999.
BURKE, Peter. A
revolução francesa da historiografia: a escola dos Annales (1929-1989).
SãoPaulo: UNESP, 1997.
CORREIA, Janaína
dos Santos. O Uso da Fonte Literária do Ensino de História: Diálogo Com o
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FERNANDES, Lucas
C.; OLIVEIRA, A. A. Entre as linhas e sentidos: Estética literária e Imaginário
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76-103, 2016.
FERNANDES, Lucas
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GUREVICH, Aaron. Saga and history: the “historical conception” of Snorri
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OLIVEIRA, A.A. A
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Pois vós sois muito elogiado por homens bons e sábios?: uma análise dos
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RACHADEL,
Cristina; FELISBERTO, Jonas; VENERA, Raquel A. S. Desafios da Educação na
Contemporaneidade: Multidisciplinaridade Entre Literatura E Ensino De História.
Florianópolis, v.
11, n. 01, jan. / jul. 2010.
Fonte
THORDSON, Jon; THORHALSON, Magnus. Norna-Gestr Saga. Séc. XIV. Tradução para o inglês por Nora Kershaw. Germanic
Mythology. 1921. Disponível em:
http://www.germanicmythology.com/FORNALDARSAGAS/NornaGestrSagaKershaw.html
Acesso em 10/04/2020.
Olá,
ResponderExcluirAcredito que é necessário cuidado ao analisar as sagas conforme você relatou, mas também cabe frisar que elas sendo o único meio de uma compreensão sobre um passado sem outras fontes, também evidenciam muitas informações, mesmo que estas devam ser filtradas e problematizadas. Meus parabéns pelo trabalho. Acredito que mesmo assim seja necessário ao professor um cuidado na sua utilização para o ensino, porque se os materiais estão em expansão, algumas vezes são produzidos através de outras fontes, correto? Resinificando uma versão já existente, desta forma cabe esta reflexão e cuidado ao professor que a utiliza.
Manuela Ciconetto Bernardi
Olá, Manuela, fico grato pelo feedback e o interesse no meu texto. Concordo em tudo com você. Assim como em qualquer disciplina e tema onde o professor ou professora procura fontes para completar a elaboração de suas aulas, nós, professores e professoras de História, devemos ter os mesmos cuidados. Como você disse, as sagas islandesas necessitam de uma percepção meticulosa para utilização, não somente em produção de textos de pesquisas, mas em sala de aula com alunos do 7º ano, que estão conhecendo o período chamado de Idade Média. Vale ressaltar que a pesquisa de fontes literárias ao mesmo tempo que necessita desses cuidados, é rica na produção de conhecimento do imaginário, ainda, cabe salientar que as sagas islandesas são um dos conjuntos mais relevantes e originais da literatura medieval [LANGER, 2009]. O objetivo do meu texto é expandir o horizonte a respeito do ensino desse tempo, apresentar outras perspectivas e fontes literárias da narração da História (cabendo sempre ao professor e a professora a lente correta de análise das fontes), além de atentar sobre a construção do imaginário medieval nessas escrituras. Skål!
ExcluirLucas Pinto Soares
O título do seu texto me chamou a atenção para a leitura, e me fez relembrar de uma das aulas as quais desenvolvi com os alunos do 1º ano do Ensino Médio ano passado como parte da disciplina de estágio supervisionado no EM do 4º ano do curso de História da Unespar-campus Paranavaí. A temática da regência era feudalismo, e dentro desta temática consegui abordar em uma das aulas os Vikings, devido o interesse e gosto que tenho sobre os nórdicos. Analisamos as principais características da sociedade, politica, religião e mitologia, arquitetura, as principais descobertas arqueológicas da atualidade, além de refletirmos no intuito de desconstruir alguns estereótipos a respeito da figura do bárbaro escandinavo, bem como a influência da cultura nórdica nos enredos de produções cinematográficas, livros, séries, aos quais os alunos mostraram um enorme interesse e teceram vários comentários a respeito. Minha pergunta é o seguinte: há algum filme, livro, seriado que tenha se inspirado em alguma dessas sagas islandesas?
ResponderExcluirTainá Guanini de Oliveira
Olá, Tainá, agradeço o interesse no meu texto. Existem inúmeros livros e artigos acadêmicos analisando e expondo as narrativas das sagas, tanto em português quanto em diversos outros idiomas, vou indicar dois livros do professor referência de estudos vikings e escandinavos no Brasil, Johnni Langer, são esses; “Dicionário de História e Cultura da Era Viking” e “Dicionário de Mitologia Nórdica”. Há também um livro muito bom do Neil Gaiman chamado “Mitologia Nórdica”, traduzido para o português, narrando algumas das histórias do famoso texto “Edda em Prosa”, escrito pelo poeta islandês Snorri Sturluson, nascido no ano de 1178. Sobre filmes, eu indico os; “O 13º Guerreiro”, de 1999; “The Vikings Sagas”, de 1995; e “A Lenda de Grendel” de 2007. Ainda, heróis fictícios e reais escandinavos presentes em algumas sagas são hoje conhecidos por muitas pessoas, como Ragnar Lodbrok, um dos protagonistas da série “Vikings” e presente na “The Last Kingdom”; Beowulf, que foi um rei e guerreiro com diversas histórias de ficção em seus feitos; Érico, o Vermelho, um viking, comerciante e explorador norueguês; Grendel, figura monstruosa presenta na história de Beowulf; Siegfried, personagem épico central da saga dos Volsungos; Volsungo, rei e ancestral do clã dos Volsungos e neto de Odin, entre outros diversos personagens que podemos encontrar em filmes, livros e séries. Por outro lado, filmes e séries focadas em narrar fielmente os acontecimentos das sagas, acredito que não tenha, ainda. Skål!
ExcluirLucas Pinto Soares
Essa é também uma maneira de descentralizar a narrativa da Idade Média da Europa Centro-Ocidental? Visto que a literatura amplamente utilizada para o ensino da história medieval provém de países como Inglaterra, França, etc., chegando inclusive a romantismo literários, os quais muitas das vezes fantasiam os reais acontecimentos históricos?
ResponderExcluirWillames Nunes da Silva
Olá, Willames, fico feliz que tenha se interessado pelo meu texto. A priori, temos que ter cuidado na utilização das sagas islandesas para descentralizar a narrativa de Idade Média da Europa Centro-Ocidental. Uma vez que grande parte dos acontecimentos relatados nas sagas são do período conhecido como Era Viking (800 -1066), vale salientar que a narrativa e a compilação dessas escrituras ocorreram em períodos posteriores e por cristãos, com a Islândia já declarada cristã e, portanto, inserida no ‘modelo’ medieval europeu. Logo, os vikings, que muitas vezes eram mercadores e pessoas nórdicas ‘comuns’, na medida em que estabeleciam contato com os europeus continentais, afetavam na urbanização do continente, deixando de ser um viking para se tornar um cristão [LANGER, 2017]. Porém, com a lente correta na análise dessas escrituras, podemos identificar o processo de construção do imaginário de demonização de práticas pré-cristãs [FERNANDES, 2016], tornando evidente a ótica cristã sobre narrativas que tinham como finalidade contar a história da Islândia e ser um texto factual. Portanto, através dessa compreensão, acredito que as sagas islandesas possam sim ser uma fonte de descentralização da narrativa da Idade Média originada por ingleses, franceses etc. Como disse na pergunta. Skål!
ExcluirLucas Pinto Soares
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ResponderExcluirOlá, muito legal o texto. Apesar dos monges cristãos terem compilado de forma tendenciosa os manuscritos escandinavos, celtas, etc., podemos observar que apesar das influências cristãs, a essência dos textos, em alguns casos, se mantém a mesma. Nesse sentido, como podemos encontrar nessas fontes literárias representações da sociedade cristã?
ResponderExcluirDe: Jefson Bezerra de Azevedo Filho
Olá, Jefson, fico feliz que tenha gostado do texto. Não sei se compreendi sua pergunta corretamente, mas, como disse, as sagas islandesas foram compiladas e escritas sob uma ótica cristã a respeito de acontecimentos de um período anterior, no contato entre escandinavos e cristãos, conhecido como Era Viking (800 – 1066). A partir dessa lente cristã nas narrativas, conseguimos identificar um processo de demonização de práticas pré-cristãs na tentativa de alterar o imaginário do escandinavo. Porém, o imaginário ancestral fica evidente em acontecimentos presentes em passagens dessas escrituras quando analisadas sob uma perspectiva correta. Dessa maneira, podemos perceber em sagas de bispos (Biskupasögur), por exemplo, que milagres cristãos eram utilizados como estratégia para inserir no imaginário simbólico de magia dos escandinavos, o poder de Cristo - como exemplo a utilização de água benta para curar pessoas como na saga de Guðmunðr [OLIVEIRA, 2015] -, alterando um símbolo pelo outro em prol do Cristianismo, a fim de construir uma sociedade islandesa cristã. Skål!
ExcluirLucas Pinto Soares
Olá, muito interessante o seu texto, é interessante tratar de assuntos que fogem a regra tradicional do que seria "história medieval", tendo em vista que ainda há uma visão intrínseca de que história medieval se baseia em apenas alguns seletos lugares da Europa, dando a noção de que em outros lugares simplesmente ficaram estagnados. Minhas dúvidas com relação ao tema são: tendo em vista que a escrita dos relatos deu-se por bispos cristãos, qual a confiabilidade que se pode ter sobre a legitimidade desses relatos? E outra, a baixa quantidade de fontes sobre essa sociedade, se da devido ao cristianismo em sua forma de consolidação cristã em detrimento da religião pagã ou por um problema próprio da sociedade, como a falta de uma escrita ou a falta de costume em escrever o que se relatava?
ResponderExcluirMuito obrigado,
Lucas Cairê Gonçalves
Olá, Lucas, fico grato pelo interesse no meu texto e feliz que tenha gostado. Sobre a primeira pergunta, é pertinente. As sagas islandesas relatam acontecimentos de um e/ou dois séculos anteriores - 874 – 1030 [IÁÑES, 1989] - às suas compilações, em um período que a Islândia já era oficialmente cristã – 1150 – 1350 [LANGER 2009]. Logo, questionamos se as narrativas são legitimas. Entretanto, sabemos que essas escrituras possuem um estilo de narrativa factual, não era objetivo dos cristãos compiladores do período escrever um texto poético, épico ou religioso, mas sim contar a história real das pessoas mais importantes para a ilha [BOYER, 2002]. Anteriormente, quando a função do historiador era encontrar em fontes escritas o fato dos acontecimentos, onde romantizavam um passado heroico em prol do nacionalismo oitocentista inserindo a literatura e a arte na história política, a ótica cristã demonizando práticas pré-cristãs era ignorada. Após os anos 1960, estudos buscaram contrapor o uso das sagas como fontes que narravam a verdade, agora, elas eram analisadas juntamente com perspectivas de outras fontes. Assim, as sagas são estudadas inseridas na justificativa da Nova História Cultural, no qual nenhuma fonte escrita está imune de ser questionada. Historiadores, portanto, devem se afastar da busca pelo “fato verdadeiro” [FERNANDES, 2016], pois desta maneira aumentamos o campo de visão de nossas lentes diante das fontes. Ao lermos as sagas problematizando o ponto de vista cristão nelas impostas, como busquei argumentar no texto, compreendemos o imaginário, uma vez que conseguimos separar a perspectiva cristã da visão dos escandinavos mesmo através de uma narrativa tendenciosa. Por fim, vale ressaltar que a literatura é um reflexo da sociedade que a produz, não no sentido de reprodução fiel e exata do contexto sócio-histórico, mas por refletir o imaginário da mesma, a literatura nórdica medieval tem nas sagas uma de suas mais significativas manifestações, são representados diferentes aspectos socioculturais de comunidades escandinavas [QUINTANA, 2013]. A respeito da segunda pergunta, cabe salientar que possuímos atualmente uma vasta quantidade de fontes para além das sagas, museus repletos de itens do período medieval nórdico, além de referências iconográficas, arqueológicas, pedras rúnicas, estruturas megalíticas, entre outras. Aproveito para devolver com uma pergunta; não é eurocentrismo de nossa parte achar que uma sociedade tem um ‘problema’ por não produzir qualquer tipo de ‘fontes’? Grande abraço, Skål!
ExcluirOlá, parabéns pelo trabalho Lucas! A minha pergunta é se você tem alguma sugestão para dar para professores que desejam começar a utilizar esse tipo de fonte nas aulas? Por qual autor ou conto ele poderia começar, você poderia indicar?
ResponderExcluirObrigada!
Gabriele Gois de Jesus
Olá, Gabriele, fico muito feliz que tenha gostado do meu texto. Acredito que com uma pesquisa adequada e lente correta na leitura das sagas e contos, qualquer uma pode ser trabalhada em sala de aula a fim de compreender o imaginário medieval na construção das sociedades escandinavas. Contos como Nornagests þáttr – brevemente analisado no texto – e Sörla þáttr são interessantes para entender a ação dos compiladores e escritores cristãos na tentativa de alterar o imaginário dos chamados pagãos a respeito do Cristianismo, onde reis convertidos – como Olaf Tryggvason ou Olavo I da Noruega - são relatados como heróis e em alguns casos derrotando deuses e heróis escandinavos apenas com o auxílio do poder de Cristo. Ainda, recomendo uma fonte importante e acessível para conhecer a mitologia e a arte poética nórdica antiga, chamada Edda em Prosa, escrita pelo poeta e político islandês Snorri Sturluson por volta do ano 1220. No mais, sagas lendárias (Fornaldarsögur), sagas de reis (konungasögur) sagas de família (Íslendingasögur) e sagas dos bispos (biskupasögur), como dito, além de serem interessantes para leituras, podem ser utilizadas em aulas e permitem a compreensão do imaginário medieval, além de estarem disponíveis na internet em diversos sites, sendo governamentais ou de universidades. Skål!
ExcluirLucas Pinto Soares