O CONTO DO GRAAL E SUA
DESCRIÇÃO SOBRE A CAVALARIA FRANCESA DA SEGUNDA METADE DO SÉCULO XII
O presente texto
tem como objetivo apresentar um objeto de estudo sobre a Cavalaria francesa da
segunda metade do século XII. O intuito é compreender as considerações sobre a
função política desse grupo militar segundo um grande romancista, poeta e
novelista do século XII, Chrétien de Troyes. É a partir das concepções acerca
da Cavalaria por parte das obras A
sociedade cavaleiresca [1977] de George Duby, A Cavalaria: A origem dos nobres guerreiros da Idade Média (1998) escrita por Jean Flori e A Cavalaria: Da
Germânia Antiga à França do século XII [2007] de Dominique Barthélemy, que
buscaremos compreender qual a relação estabelecida entre o ideário cavaleiresco
segundo as interpretações dos autores citados, aquele direcionado a Cavalaria
Francesa e Flamenga do mesmo período, e o ideário proposto por Chrétien em Perceval ou o Conto do Graal. Essa
discussão é atrelada à influência que Chrétien sofre, principalmente, no
momento da mudança entre a corte de Maria de Champanhe (1145-1198) e a de
Felipe de Flandres (1143-1191) no ano de 1181. Tais mudanças são entendidas
como um conjunto de processos históricos que culminaram na criação de um novo
ideário e da inserção nas novelas de cavalaria de um objeto místico, o Santo
Graal, interpretado pelos continuadores como um dos mais sagrados símbolos do
cristianismo latino.
Introdução
A Cavalaria, além
de ser título de diversas obras literárias, é um conceito amplamente debatido
na historiografia. Nomes como Georges Duby, Jean Flori e Dominique Barthélemy
se sobressaem. Todos eles utilizam de diversas fontes, entre elas os textos
literários, para a análise e a construção do seu entendimento sobre os
guerreiros a cavalo que existiram na França no decorrer da Idade Média. Segundo
a concepção sobre a Cavalaria de Barthélemy:
“A Cavalaria
clássica, com seus torneios e suas festas, com sua literatura, é – mais do que
a “pré-Cavalaria” da alta Idade Média – da ordem da ficção e do artifício. Ela
é frequentemente a poeira nos olhos que esconde as decepções inéditas da classe
dos Cavaleiros ou os esforços sub-reptícios os para torná-los militares no sentido estrito, a serviço
do Estado (a partir de João de Salisbury). No entanto, ela terá por muito tempo
uma função social real, pois representa um estilo que fascina famílias de
novos-ricos, e eles perenizam tendendo em direção a ela todos os seus esforços.
Ela representa também um autêntico comportamento guerreiro que impregnará por
muito tempo (pela metade, imperfeitamente) as guerras, inclusive cristãs e
nacionais. ” (Barthelémy, 2010, p. 588]
Esse conceito,
construído pela análise de diversas fontes e comparado com a historiografia
existente sobre o tema, diz respeito a um grupo social, cultural e militar
heterogêneo. Realizar uma análise dos poemas, canções, contos e novelas que
fazem alusão a Cavalaria com outras fontes do mesmo período possibilitam maior
entendimento sobre a mesma. Para Flori, a literatura é uma fonte que não deve
ser desprezada, mesmo que possam conter influências de um “imaginário
medieval”, o historiador deve se ater as informações documentais e sua relação
com as fontes diplomáticas, jurídicas e as litúrgicas e não ao seu valor
poético. “Ora, acontece que a história da cavalaria em seu conjunto e da
investidura em particular exige o recurso a essas três áreas. Sua exploração e
a síntese resultante são mais difíceis, mais vastas e mais lentas. ” [Flori,
2005, p.31].
Deste modo
buscaremos compreender qual o entendimento de Cavalaria para um dos maiores
nomes da literatura cortesã do século XII, Chrétien de Troyes. Obviamente, um
poeta com tamanho renome detém inúmeras menções em trabalhos acadêmicos. O
próprio Dominique Barthélemy em seu livro A Cavalaria: Da Germânia Antiga à França do século XII, traz várias considerações sobre as obras do poeta e o
utiliza para explicar diversos assuntos existentes na cultura literária do século
XII, como o amor cortês [Barthélemy, 2010, p.
523]. Conquanto, para além das investigações
propostas por Barthélemy e por muitos outros historiadores, aqueles que por
exemplo buscaram a formação do cavaleiro, a cristianização da Cavalaria e a
introdução do Graal na literatura, pretendemos apresentar, como mencionado,
quais as possíveis concepções de Chrétien sobre as funções políticas da
Cavalaria.
A Obra Perceval ou o Conto do Graal
Para
isso, será utilizado a obra intitulada Perceval
ou O Conto do Graal, escrita provavelmente entre 1181 a 1191 [Abílio, 2002, p. 250]. Esse conto narra a
busca de Perceval, um jovem Galês, para se tornar um cavaleiro. Dentre as
aventuras por ele vividas, desde que sai da casa da mãe, entre o momento que
ganha suas armas e observa o Graal em um dos castelos no qual participa de um
banquete, é possível encontrar várias informações sobre a formação do cavaleiro
e qual o modelo moral que o mesmo deve seguir.
A obra foi
escolhida, entre as demais obras de Chrétien, por fazer parte de um novo
momento na vida do autor, a partir de um evento que alterou consideravelmente o
conteúdo de seus poemas. Entre os anos de 1170 a 1181 Chrétien de Troyes
desenvolve seus poemas longe dos assuntos políticos. Ele se debruça sobre problemas
dos seus cavaleiros em relação ao amor cortês, uma vez que reside na corte de
Maria de Champanhe e tem os seus poemas, e sua temática, encomendados pela
condessa. O Conto do Graal é o
primeiro e único poema escrito por Chrétien quando o mesmo estava a serviço do
Conde de Flandres, esse que acabara de regressar da chamada Segunda Cruzada,
onde esteve em peregrinação. O novo patrono certamente foi, conscientemente ou
não, responsável pela alteração do conteúdo moral e político da escrita de
Chrétien de Troyes [Abílio, 2002, p. 250]. Com a nova perspectiva adotada por
Chrétien, suas obras ganham mais elementos cristãos, como o próprio Graal, e
ocorre a exposição de outros problemas da Cavalaria, como por exemplo, sobre a
relação entre o cavaleiro com o senhor e com a Igreja.
Para
o desenvolvimento desta análise, é utilizado uma tradução feita por Rosemary
Costhek Abílio, publicada pela Martins Fontes no ano de 2002, já em sua segunda
edição. Tal tradução foi feita sobre a versão escrita por William Roach, que a
transcreveu segundo o manuscrito número 12576 da Biblioteca Nacional da França,
sendo publicado pela primeira vez em 1959. O poema original foi escrito em
francês antigo, seguindo o formato de epopeia, com a métrica octossilábica. Ele
é estruturado em capítulos e divido em versos, ao todo são 18 capítulos e 9.234
versos. [Megale, 2001,
p.48].
Vale
ressaltar que o livro traduzido não é dividido em capítulos, e não apresenta
uma narrativa em forma de poema, mas em formato de prosa. Essa transformação do
poema em prosa do francês antigo para o português contemporâneo não interfere
diretamente nos objetivos da pesquisa, uma vez que não se trata de uma análise
filológica do Conto do Graal, mas
para compreender o que é a Cavalaria para seu autor.
Para além das
informações que estão dispostas nas fontes, as disposições políticas que
buscaremos podem ser compreendidas na mudança entre as obras que foram feitas
em cada uma das duas cortes que o poeta esteve e quais as implicações que elas
causaram em seus poemas.
Discussão historiográfica
Para
que seja possível analisar o conceito de Cavalaria de Chrétien de Troyes, serão
utilizados textos de autores que discorrem sobre as funções das cavalarias,
suas atribuições e as características que as diferenciam.
A obra A Sociedade Cavaleiresca, escrita por
Georges Duby, publicada em 1977, é um conjunto de estudos realizados pelo autor
referentes à sua origem e sua distinção ou aproximação com a nobreza. Mais
precisamente, no primeiro capítulo, intitulado Nobreza e Cavalaria, ele discorre sobre as questões jurídicas e as
distinções entre a nobreza e a Cavalaria, presentes em vários espaços, com
ênfase na França. Duby mostra que as Cavalarias da França no século XI se
encontravam em um espaço privilegiado dentre as relações de poder e como um
grupo que está dentro da perspectiva da Igreja com relação a manutenção da
ordem social. Deste modo, as concepções do autor serão utilizadas para pensar a
consolidação da Cavalaria como um grupo social heterogêneo de poder na França.
Outra obra
relevante para este estudo é A Cavalaria:
a origem dos nobres guerreiros da Idade Média escrita por Jean Flori. O
autor destaca os caracteres básicos dos guerreiros a cavalo, como o seu
armamento, a sua armadura e, obviamente, sobre a montaria. Discorre sobre as
funções atribuídas a este grupo por parte dos costumes e da Igreja, os códigos
de cavalarias e como esta instituição religiosa consegue infringir tanta
influência sobre da elite guerreira, a chamada cristianização da Cavalaria,
percebido em vários documentos, como por exemplo, nos romances arturianos.
Uma
das obras mais amplas sobre o tema da Cavalaria pertence a Dominique
Barthélemy, intitulada A Cavalaria: Da
Germânia Antiga à França do século XII. Ela apresenta uma perspectiva
diferenciada sobre as possíveis origens da Cavalaria. Barthélemy utiliza vários
tipos de fontes históricas, entre elas estão os contos literários. Ele
relaciona a literatura cortês com registros documentais propriamente da
aristocracia guerreira, provenientes da produção burocrática, militar e
política. O autor desenvolve, pelo menos, quatro capítulos direcionados a
Chrétien de Troyes. São eles: A aventura
literária de Chrétien de Troyes, o Itinerário
de Perceval, A moral de Estevão de
Fougéres e a de Chrétien de Troyes e Em
busca do Graal. Barthélemy não descreve quem foi Chrétien, dado a falta de
informações sobre o mesmo, sequer busca descrever qual a concepção de Cavalaria
para o poeta. Nos capítulos mencionados ele apresenta as principais obras do
poeta e as utiliza para compreender os problemas atrelados ao ideário cavaleiresco
expresso nas obras, como o amor cortês. Tais informações são muito pertinentes para pensar qual a
concepção de Cavalaria para Chrétien, uma vez que possibilita analisar as
informações na obra O conto do Graal
segundo as definições de Cavalaria proposta por Barthélemy na França do século
XII, espaço e período em que a obra foi escrita.
Em
relação à produção da obra com os processos históricos da literatura medieval
será trabalhado o texto Da canção de
gesta ao Quixote: metamorfoses da narrativa medieval de Demétrio Alves Paz,
presente no livro Reflexões sobre o
medievo II: práticas e saberes no ocidente medieval, com a organização de
Carlinda Maria Fischer Mattos, Edison Bisso Cruxen e Igor Salomão Teixeira. O
artigo constrói, de forma sucinta, uma narrativa sobre as características das
diferentes produções artísticas do medievo e quais suas relações com a
conjectura histórica do momento de produção de cada obra. A partir dela é
possível compreender as características da obra O Conto do Graal em meio às demais obras do período, bem como, com
as epopeias gregas e as canções de gesta.
Em A demanda do Santo Graal: das Origens ao
Códice Português escrito por Heitor Megale tem uma narrativa direcionada ao
estudo filológico e a demanda do Santo Graal, propriamente relacionada ao
códice português. O autor realiza uma busca sobre a origem do cálice sagrado,
sendo assim, ele faz diversas referências às obras de Chrétien. Por
conseguinte, a obra se faz pertinente para a percepção da influência dos textos
de Chrétien de Troyes sobre a cultura literária de outros espaços, bem como na
região de Portugal. Megale elenca que o início da demanda do Santo Graal é dado
no momento da publicação do Conto do
Graal.
A produção da obra referente a
conjectura literária no século XII
Primeiramente,
como a obra de Chrétien de Troyes faz parte do gênero literário, a metodologia
pressupõe certo entendimento sobre o trato com documentos literários por parte
da História. Segundo Pesavento, em O
mundo como texto: leituras da História e da Literatura [2003], a literatura:
“Não
precisa comprovar ou chegar a uma veracidade, mas obter uma coerência de
sentido e um efeito de verossimilhança. A rigor, História e Literatura obtêm o
mesmo efeito: a verossimilhança, com a diferença de que o historiador tem uma
pretensão de veracidade. [Pesavento, 2003, p.37]
É a
partir do conceito de verossimilhança que é possível analisar as obras literárias em relação
a realidade expressa em cada conto, condizente com os processos históricos por
trás da sua produção.
Para
pensar como a produção literária já existente que influência o Conto do Graal, precisamos recorrer a
Segismundo Spina, onde afirma que “Nos séculos XII e XIII, a fusão dos dois
ideais primitivos determinou o aparecimento de gêneros diferentes. Da comunhão
do Herói com o Amante nasce novela cortês; do Herói com o Santo surge o ciclo
novelesco do Graal [Spina, 2007, p. 45]”. Ademais,
a obra de Segismundo Spina, A Cultura
Literária Medieval, que faz um apanhado geral sobre o tema, com início na
Alta Idade Média até o fortalecimento de “novas perspectivas”
artísticas-filosóficas, como o humanismo e respectivamente o Renascimento, traz
várias concepções sobre o aspecto artístico do Conto do Graal. Essa obra é descrita como a principal representante
do Ciclo Arturiano e responsável pelo início da demanda do Santo Graal [Spina, 2007, p.24]. Spina deixa claro que a literatura pode ser uma forma de
interpretação da realidade ou de suas possibilidades, uma vez que, “A
idealização da vida cavaleiresca no “romance cortês”, se nem sempre corresponde
à realidade social da classe, era, entretanto, uma forma de compensar ou
encobrir o sensível desprestígio do grupo aristocrático” [Spina, 2007, p. 33-34]. É
através dessa concepção que buscaremos entender a percepção de Chrétien de
Troyes perante a Cavalaria.
Deste
modo, se torna necessário buscar qual sua relação com os diferentes espaços de
produção das obras, que correspondem às cortes que o poeta frequenta no momento
de produção de cada obra. O primeiro conjunto de obras de Chrétien, que
compreende Erec, Cligès, Le Chevalier à
la charrete, foi escrito entre os anos de 1160 e 1181 na corte de Maria de
Champanhe [Spina, 2007,
p. 24]. A partir do ano de 1181, Chrétien de
Troyes se estabelece na corte de Felipe de Flandres e desenvolve uma única obra
Perceval ou O Conto do Graal. É nessa
primeira etapa que buscaremos estabelecer qual influência teórica e literária é
visível no trabalho de Chrétien de Troyes. Sabe-se que é provável que pelo
menos duas obras chegaram ao poeta: Policrático
de João de Salisbury [Barthélemy, 2010, p.568] e Historia Regum
Britanniae de Geoffrey de Monmouth [Abílio,
2002, p. 250]. É através dessas informações
sobre a conjectura literária do século XII que buscaremos entender a percepção
de Chrétien de Troyes perante a Cavalaria.
Considerações (in) conclusivas sobre
a produção de Perceval O Conto do
Graal
A
partir da discussão acerca da influência das cortes e da Igreja sobre Chrétien
de Troyes, percebida em sua produção literária, e do estudo de Perceval ou O Conto do Graal acreditamos
que seja possível compreender a posição do autor perante o debate historiográfico
atual sobre a função da Cavalaria.
Uma
das hipóteses é que a mudança sofrida por Chrétien de Troyes no momento em que
se estabelece em outro espaço, no Contado de Flandres, lugar que recebe
influência francesa, mas que está em guerra com a França, foi o principal
motivo que alterou a sua concepção de ideário cavaleiresco. Essa influência,
exercida pela corte flamenga e, principalmente, pelo seu novo senhor, Felipe de
Alsácia, que acabara de regressar da Segunda Cruzada, faz com que o autor aproxime
os cavaleiros da Igreja, através de um novo ideário cavaleiresco.
A
segunda hipótese, atrelada à primeira, diz respeito a atribuição de elementos
latino cristãos ao ideário cavaleiresco e, consequentemente, a Cavalaria como
uma das políticas de cristianização da Igreja, realizada indiretamente pela
pena de Chrétien de Troyes. Um exemplo é a busca do cavaleiro para a remissão
dos seus pecados, o que só ocorreria a partir do momento em que o mesmo se
tornasse digno de encontrar o Graal.
Conclusão
A partir das
discussões sobre o conceito de Cavalaria e suas distintas representações na
literatura faz se necessário a reflexão sobre cada uma em partilhar. Aqui
apresentamos a proposta de análise do O
Conto do Graal como uma das formas de compreender a diferença e as
semelhanças com outras obras e textos do período através dos debates
historiográficos. A concepção de que a Cavalaria não é única e que atua de
formas distintas em cada território deve ser elucidada cada vez que é tratado
tal assunto, principalmente, em sala de aula. Isso é dado pelo compromisso que
o historiador tem com a veracidade dos fatos. Além de que, como o conceito de
ideário cavaleiresco, proposto pela historiografia, foi criado a partir da
análise da literatura, de documentos litúrgicos e de obras que buscavam
moralizar a Cavalaria – como o texto de Ramon Llull O livro da Ordem da Cavalaria [Zierer; Bragança Júnior, 2017 p.152]
– se faz necessário a reflexão de como ele se altera em cada obra segundo a
moral de cada autor, tempo e espaço. Em outras palavras é imprescindível deixar
claro que não existiu um modelo único a ser seguido.
Portanto, o
entendimento de que a Cavalaria não é homogênea, não é limitada a uma função
militar e que se altera em cada período de tempo em quanto ela existe, pode vir
a facilitar a compreensão sobre outras mudanças que ocorreram na Idade Média.
Referências
Wesley Bruno
Andretta é graduando do Curso de História da Universidade Federal da Fronteira
Sul (UFFS) [wesleyandretta@hotmail.com]
BARTHÉLEMY, Dominique.
A Cavalaria. Da Germânia antiga à França do século XII. Campinas: Editora da
UNICAMP, 2010.
DUBY, Georges. A
Sociedade cavaleiresca. 1a ed. São Paulo: Martins Fontes, 1989. 164 p.
FLORI, Jean. A
Cavalaria: A origem dos nobres guerreiros da Idade Média. São Paulo: Madras,
2005.
MEGALE, A Demanda
do Santo Graal: das Origens ao Códice Português. Cotia, São Paulo: Ateliê
editorial, 2001.
PAZ, Demétrio
Alves. Da canção de gesta ao Quixote: metamorfoses da narrativa medieval. In:
MATTOS, C. M. F; CRUXEN, Edilson Bisso; TEIXEIRA, Igor Salomão. Reflexões sobre
o medievo II: práticas e saberes no ocidente medieval. 1. ed. São Leopoldo:
Editora Oikos Ltda, 2012. p. 7-193.
PESAVENTO, Sandra
Jatahy. O Mundo Como Texto: leituras da História e da Literatura. História da
Educação, Pelotas, v. 7, n. 14, p. 31-45, jul/dez. /2003. Disponível em:
<https://seer.ufrgs.br/asphe/article/view/30220/pdf>.
Acesso em: 03 abr. 2020.
SPINA,
Segismundo. A Cultura Literária Medieval: uma introdução. 3a ed. Cotia, São
Paulo: Ateliê editorial, 2007.
TROYES, Chrétien
De. Perceval ou O Romance do Graal. Tradutora: ABILIO, Rosemay Costhek. 2 ed. São Paulo: Martins Fontes, 2002. 262 p.
ZIERER, Adriana;
BRAGANÇA JÚNIOR, Álvaro Alfredo. Cavalaria e nobreza: entre a história e a
literatura. Maringá: Eduem, 2017.
Boa tarde, achei o texto bem interessante. Você acredita que o ideário do cavaleiro possuir maior forma na França vem de uma herança de Carlos Magno?
ResponderExcluirDavi Santos Rocha
Boa tarde, Davi.
ExcluirObrigado pela pergunta.
Em partes. Sabemos que durante o império de Carlos Magno a Cavalaria era a elite do exército cristão e que com o colapso do império alguns cavaleiros buscaram agir de forma autônoma e outros se submeteram aos senhores de terras. É a partir do século XI que a Cavalaria passa a ser reconhecida como um grupo social e então o ideário cavaleiresco, conceito criado a partir da historiografia, é percebido. Ou seja, existe uma relação entre o império de Carlos Magno e a Cavalaria, conquanto o ideário cavaleiresco que é discutido deve muito mais as condições que a Cavalaria encontra após a dissolução do Império.
Assim, como o Império Carolíngio se encontrava, mas não somente, onde hoje compreendemos como a França, o processo histórico que as Cavalarias existentes nesse espaço vivenciaram foi semelhante. A condição da Cavalaria como grupo social é que possibilita a existência de um ideário cavaleiresco.
Como falado algumas vezes no texto, a cavalaria é bem heterogênea, tanto em quem a constitui, quanto em sua função militar decorrente do período. Mas com base na literatura citada, qual seria a função mais recorrente da cavalaria, estando ou não em período de guerra?
ResponderExcluirBárbara Liz Santos
Olá, Bárbara.
ExcluirObrigado pela pergunta.
Como a pesquisa ainda não está concluída posso responder a sua pergunta somente com hipóteses sobre o entendimento da função da Cavalaria para Chrétien de Troyes na obra O Conto do Graal. Nesse conto o autor constrói uma narrativa em que o cavaleiro busca na orientação da figura do “homem probo” e o mesmo o instrui a: ter misericórdia para com seus oponentes vencidos, não falar em demasia, defender homens e mulheres (com ênfase nas mulheres) sempre que necessário e, por fim, orar e ir aos mosteiros. Todavia é nas consequências que o cavaleiro sofre durante a sua jornada que ele atesta essas orientações.
Assim a função da Cavalaria é a defesa dos oprimidos, bem como os reis devem fazer. Defender os oprimidos daqueles que agem com vilania para além da frivolidade narcisista que foi construída durante o século XII.
Wesley, tudo bem? Parabéns pelo texto.
ResponderExcluirPercebi que você utilizou o Barthelémy e Flori. Já pensou em acrescentar o Tyerman e o Riley-Smith? A adoção dos dois foi por opção?
Explico: por razões que avançam para o escopo da historiografia, história e literatura andam juntas no âmbito acadêmico francês. Algumas vezes tenho a impressão que a esfera literária condiciona e "estreita" a visão dos historiadores franceses.
Consequentemente, incorporar leituras de outras escolas historiográficas pode não só contribuir para oxigenar seu trabalho, mas também para superar esse problema (a meu ver) na abordagem francófona.
Renan Birro
Olá, professor Renan, tudo bem e com o senhor?
ExcluirObrigado pelo elogio e pela pergunta.
Para o desenvolvimento da pesquisa penso em acrescentar outros textos que não tiveram espaço nesse apresentado no evento. A escolha por Flori e Barthélemy é pela aproximação que tenho com as suas obras e, confesso, pela ignorância de outros autores de tamanho renome. Para a concepção do projeto as obras utilizadas desses autores atenderam as necessidades estabelecidas.
Todavia, a leitura de outras obras, como o senhor muito bem colocou, só engrandece a pesquisa. Com certeza irei buscar obras de Tyerman e de Riley-Smith para o desenvolvimento da mesma, em especial, para buscar ir além da visão dos historiadores franceses sobre a relação entre História e Literatura.
Ótimo texto, parabéns Wesley! Fiquei muito satisfeito com a forma que o texto cita que não existiu apenas um modelo único. Também gostaria de saber como era o contato de um cavaleiro em relação ao Graal, este era o motivo maior de sua função? Além disso, como se dava o sistema para se torna um cavaleiro?
ResponderExcluirJoão Victor de Sales Dantas
Olá João Victor, agradeço pelo elogio e obrigado pela pergunta.
ExcluirEm relação a primeira pergunta, n’O Conto do Graal o cavaleiro protagonista divide o mesmo espaço com o Graal em um banquete, porém, o mesmo só toma conhecimento de que estava na presença do Graal quando avisado em outro momento por sua prima. A relação do Graal apresentada por Chrétien de Troyes na literatura é inédita, pelo menos não houve ou não sobrevivei nenhum texto literário com data anterior. Aqui o Graal não é aquele proposto, posteriormente, como o Santo Graal, ou o Cálice da Última Ceia, mas um objeto místico atrelado a cultura de Chrétien de Troyes, que não deixa de ser cristã. A função do cavaleiro era a de encontrar esse Graal, somente um cavaleiro que não dispusesse de pecados poderia encontrá-lo, para entregar ao rei Artur e restabelecer a prosperidade de seu reino. Conquanto não sabemos se o protagonista d’O Conto do Graal encontra o objeto, uma vez que o final não foi escrito, dado a morte ou predileção do autor.
Para a segunda pergunta, indico o livro A CAVALARIA de Jean Flori (Editora Madras, 2005), por se tratar de um tema muito amplo. O que posso responder é como foi o adubamento (nome da entrega de armas ao cavaleiro, mais tarde do ritual de consagração do mesmo) do protagonista Perceval. Esse cavaleiro toma as armas (armadura, lança, escudo e espada) de um cavaleiro a qual ele derrota com um dardo. Porém, ele só se torna cavaleiro quando um senhor, Gornemant de Gort, confere-lhe os ensinamentos e professa o adubamento, dando-lhe a espada.
Olá, muito bom seu texto e bem pertinente. Tenho algumas dúvidas sobre o contexto: primeiro, a inspiração de Chrétien em escrever sobre o Graal, como você mesmo disse sendo direta ou indiretamente influenciado pelo Conde de Flandres, provém da segunda cruzada, mas como era a história/imaginário do que seria o Graal? E sabe-se se foi algo pensado com influencias da cultura Moura ou se foi algo que o próprio cristianismo no território Mouro elaborou? E para finalizar minhas dúvidas, um cavaleiro podia recusar a participar de uma guerra? Se sim, quais eram as consequencias?
ResponderExcluirGrato desde já pela resposta,
Lucas Cairê Gonçalves
Olá, Lucas.
ExcluirAgradeço pela pergunta.
A influência do Conde de Flandres sobre a produção d’O Conto do Graal é um dos pontos que busco nessa pesquisa. A relação mencionada entre o mesmo e a sua experiência na segunda cruzada foi evidenciado para demonstrar que Felipe de Alsácia possuía uma relação próxima com a Igreja. Muito provavelmente não foi Chrétien de Troyes que criou o Graal, ele utilizou um objeto místico já existente na cultura local. Vários estudos apontam para uma influência sincrética da cultura celta com a cristã. Para o autor, o Graal pode ser compreendido como uma espécie de bandeja, algo que possa ser colocado a comida de forma gradual. Dessa forma, a concepção do Graal deve mais a cultura local do que a relação com os mouros, pelo menos nesse momento. Vale ressaltar que o Graal aqui mencionado difere do Santo Graal, ele é um objeto místico, talvez, fruto do sincretismo de duas culturas (como mencionado acima). O Graal de Chrétien passa por outros autores até a chegar a concepção próxima ao Santo Cálice da última ceia.
Devo dizer que a última pergunta é muito interessante. Um cavaleiro poderia recusar-se a participar de uma guerra? Em minhas leituras eu ainda não me deparei com essa questão, então ficarei devendo. O que posso supor a partir do entendimento de que a relação estabelecida entre o senhor e seus cavaleiros, seguindo o conceito de domínio senhorial, prevê uma via de mão dupla, o senhor deve proteger o servo e o mesmo deve proteção ao senhor. A recusa de participar de um conflito armado por parte do cavaleiro, que é um servo, iria de encontro com esse acordo. O elo entre o senhor e o cavaleiro poderia ser rompido e as consequências seriam julgadas e determinadas pelo senhor com base no seu entendimento sobre a transgressão.